sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Raiz Comovida, de Cristóvão de Aguiar


Raiz Comovida – Trilogia Romanesca, de Cristóvão de Aguiar, começou a ser publicada há 25 anos – iniciou-se com A Semente e a Seiva (1978), e continuou-se com Vindima de Fogo (1979) e O Fruto e o Sonho (1981), para aparecer finalmente, num único volume (pela Editorial Caminho, 1987). Temos agora uma nova edição desta obra (Publicações Dom Quixote, 2003), que resulta de um profundo trabalho de revisão e de remodelação da edição anterior – de tal modo que, por vezes, temos a impressão de estarmos não perante uma edição revista de uma obra anteriormente publicada, mas sim perante uma obra nova e escrita de raiz.

Sendo uma obra de inspiração, de evocação e de definição açorianas, Raiz Comovida é, na beleza forte do seu título, muito mais do que aquilo que a uma leitura mais apressada possa parecer: não é mais um daqueles livros que costumam dar corpo ao que poderíamos chamar a estética da saudade, baseada no revivalismo de um país que a pouco e pouco vai deixando de ser o país das aldeias ; também não é um livro de memórias regionalistas. Indo muito mais fundo, nesta obra perpassam os tipos humanos que resultaram da amassadura da cultura ibérica tradicional com as águas, o sal e os ventos do mar, polvilhada de vulcões e abalos de terra, e mais de incursões dos piratas do Norte de África, e do isolamento, e de um ou outro arroubo colonialista – e perpassam sobretudo os contadores de histórias, aqueles que podemos tipificar na personagem do Ti José Pascoal de quem o narrador se queixa de que “Já está aqui há muito tempo à minha ilharga pedindo-me para entrar nesta história.[ pelo que, conclui ] Decidi fazer-lhe a vontade e vou já passar-lhe a palavra” (p. 45).

Desde a primeira à última frase de Raiz Comovida – vejamo-la nós em separado nos livros que a fizeram, vejamo-la na sua versão integral, já de si remodelada, de 1987, ou vejamo-la agora nesta nova versão que nos perturba enquanto gesto de inteligência dos tempos que correm e dos gostos que eles acarretam, mas sem nunca esquecer que se trata de uma reconstelação (isto é, de um reagrupamento, ele próprio dinâmico e interactivo) de elementos dispersos que são coerentes entre si, e que mutuamente se atraem, precisamente porque comungam do mesmo passado, e registam a memória que delimita a identidade cultural de quem, como os açorianos, é o fruto, ou o sonho realizado, de uma semente europeia que medrou mergulhada na seiva de um grande mar – e que agora se oferece, na comoção desta Raiz Comovida, à grande vindima que, de cada vez que acontece, representa, no nosso imaginário mediterrânico, a grande festa da vida.

Luiz Fagundes Duarte, 2003

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